Entre os 134 autores convidados para a Bienal do Livro do Rio, que começa hoje, o canadense William P. Young, 56, é certamente um dos menos publicados -só um livro seu chegou ao público.
Esta única obra ("A Cabana"), no entanto, vendeu 3 milhões de cópias no Brasil desde o lançamento, em outubro de 2008, segundo a editora Sextante (nos EUA, foram mais de 10 milhões).
Para comparação: os sete "Harry Potter" venderam 3,6 milhões em uma década.
Young atribui o sucesso de seu livro aqui à "espiritualidade profunda" dos brasileiros.
Ex-seminarista, filho de missionários, diz que a obra reflete "a jornada de 11 anos para curar meu coração", na qual aprendeu a lidar com seus traumas: o abuso sexual num colégio cristão, a morte de parentes, o caso com uma amiga de sua mulher.
Em paz consigo e desligado de qualquer religião formal, escreveu "A Cabana" a pedido da mulher, como presente de Natal para os seis filhos. Deu algumas cópias a amigos, e dois deles criaram uma editora para publicá-lo.
O livro conta a história de Mackenzie, ou Mack, que se encontra com a Santíssima Trindade na cabana em que a filha foi assassinada.
Young, que participa da Bienal nos dias 7 e 9/9, conversou com a Folha por telefone. Lembrou de sua primeira vinda ao Brasil (em 2009) e falou do impacto do livro em sua vida e na dos leitores.
Folha - Como é a sua vida depois de "A Cabana"?
William P. Young - A jornada para curar meu coração já havia acontecido antes do livro, então nada do que é importante para mim mudou. Agora, posso fazer coisas que não podia, como comprar uma casa, porque tenho dinheiro. Mas o que importa, as relações com amigos, família, Deus, nada disso mudou.
Detalhes dolorosos de sua intimidade foram expostos. Como lida com isso?
Parte do processo de cura é não ter mais segredos. No livro, Mackenzie passa um fim de semana na cabana, e esse período representa 11 anos da minha vida. Nessa fase, ela virou algo aberto, não tenho segredos. Tenho uma história complicada, machuquei pessoas, falhei. Não sou mais quem eu era, não tenho medo do passado, eu o entendo.
No livro, Mack diz não se sentir confortável com suas habilidades para escrever. O sr. se sente confortável com a sua?
Sim. Sou Mackenzie em muitos aspectos. Sempre fui um escritor. Quando era pequeno, a escrita era uma maneira de liberar a dor. Aí comecei a escrever como presente. Mas nunca me ocorreu publicar, nem quando escrevi "A Cabana" como presente para as crianças. Foi um processo engraçado perceber que outras pessoas, além das que me amam, poderiam gostar do que eu escrevia.
Como foi vir ao Brasil?
Estive em São Paulo, Rio e Curitiba e fiquei agradavelmente surpreso. Na primeira noite, em São Paulo, assisti a um show de Cauby Peixoto. Quão incomum, não? Eu não o conhecia, e de repente aquele senhor entrou no palco, com um cabelo longo que era claramente uma peruca, e uma voz linda, fenomenal.
Como vê o fato de a religião estar cada vez mais presente no debate político?
Obama é um homem muito espiritual, assim como o são as pessoas que o estão atacando. Em cada guerra religiosa, todos acham que Deus está do seu lado. Não gosto disso, acho que Deus está do lado da humanidade. A religião é uma coisa que a humanidade criou, uma mitologia que sustenta um poder.
Fonte: MARCO AURÉLIO CANÔNICO/ Folha São de São Paulo
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