Vale Cultura é aprovado na Câmara

Postado em 20 de outubro de 2009 por Cooperativa Cultural Brasileira

Por Jotabê Medeiros, Estado de S. Paulo

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou anteontem à noite o projeto de lei que cria o Vale-Cultura, encaminhado ao Congresso pelo Ministério da Cultura. Trata-se de um Vale mensal de R$ 50, semelhante ao Vale Refeição (mas para ser gasto com cultura), que será destinado a trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos. O projeto, que tramita em regime de Urgência Urgentíssima, agora vai ser votado no Senado e depois vai à sanção do Presidente Lula, e a previsão é a de que seja colocado em prática já no ano que vem.

O Vale-Cultura será distribuído às empresas que aderirem ao Programa Cultura do Trabalhador e poderá ser usado na compra de livros, ingressos para cinemas, teatros e museus. A matéria precisa ser votada ainda pelo Senado.

O projeto aprovado permite a distribuição do Vale a trabalhadores que ganham acima de cinco salários mínimos (R$ 2.325,00), mas somente se já tiverem sido atendidos todos os funcionários que ganham até esse valor. Para esses salários maiores, o desconto em folha do trabalhador será de 20% a 90% do Vale.

Estima-se que a iniciativa vá injetar R$ 7,2 bilhões por ano no mercado cultural do País. “É um estímulo ao consumo cultural e à inclusão cultural. Os números da cultura no Brasil são muito ruins. Só 17% dos brasileiros compram livros, só 5% deles, alguma vez na vida, entraram em um museu. Não chega a 20% o índice dos que vão a espetáculos de dança ou teatro e só 13% frequentam cinemas”, diz o ministro da Cultura, Juca Ferreira.

Isadora Herrmann, sócia da Luminar Conteúdo, cultura e Entretenimento, empresa paulista que atua no mercado cultural, vê com entusiasmo comedido a aprovação. Isadora considera que o Vale-Cultura é um mecanismo parecido com o Bolsa Família, e tem restrição a isso, pois crê que gera um tipo de dependência.
“Vai ter reflexos positivos para todo o segmento cultural. Mas, por ter mercado cativo, pode trazer acomodação das empresas para que vejam a cultura como algo rentável. E, do ponto de vista das políticas públicas, é uma gota de água no oceano - no interior do País, faltam equipamentos culturais, faltam serviços. E as manifestações culturais típicas do País, que geralmente são gratuitas, não serão beneficiadas e continuarão sem terem apoio”, considera Isadora.

O texto aprovado para o projeto de lei (5798/9) é o substitutivo da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, da deputada Manuela D”Ávila (PCdoB-RS). Manuela estendeu o benefício aos trabalhadores com deficiência que ganham até sete salários mínimos mensais (no texto original, a abrangência era de até 5 salários). Outra novidade em relação ao projeto original é a que permite o recebimento do Vale também pelos estagiários das empresas participantes, com os mesmos procedimentos de uso e descontos.

“Vejo a aprovação como uma mudança de paradigma no País”, disse Manuela D”Ávila. “Até agora, tínhamos o Vale refeição e o Vale transporte, ou seja, o trabalhador tinha assistência de alimentação e para se locomover. Agora, terá acesso à cultura. Trata-se de uma tendência mundial, de garantir mais qualidade de vida, formação completa ao cidadão. E considera a cultura também como um direito. Outro aspecto que eu considero também muito importante é quanto à injeção de recursos na economia. A cultura é uma das partes mais dinâmicas da nossa economia.”

O substitutivo incorporou emenda do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), relator pela Comissão de Educação e cultura, que inclui entre os objetivos do programa o estímulo à visitação de estabelecimentos que proporcionem a integração entre a ciência, a educação e a cultura. As áreas definidas pelo projeto original para uso do Vale são artes visuais, artes cênicas, Audiovisual, literatura e humanidades, música e patrimônio cultural.

A única emenda aprovada por meio de destaque foi a da oposição. Foi apresentada por Fernando Coruja (PPS-SC), líder do PPS, e estende o Vale-Cultura aos aposentados, mas no valor de R$ 30 mensais. Terão direito ao benefício os aposentados que recebam até cinco mínimos. Os deputados do Partido dos Democratas (DEM) tentaram incluir as empresas tributadas com base no lucro presumido no Vale- Cultura, com o benefício de desconto de 1% do imposto devido (no projeto, é limitado às empresas tributadas com base no lucro real), mas não obtiveram sucesso. O incentivo fiscal será válido até 2014.

Todos os partidos orientaram as suas bancadas a votarem a favor da emenda do deputado Fernando Coruja que dá um Vale-Cultura especial de R$ 30 aos aposentados, mas o vice-líder do governo Ricardo Barros (PP-PR) alertou que ela provoca despesas extras de cerca de R$ 4,8 bilhões para a União e deverá ser vetada pelo presidente da República.

No projeto original enviado ao Congresso, e que passou pelo Ministério da Fazenda e pela Receita Federal, está previsto o seguinte impacto do Vale-Cultura sobre a receita tributária: R$ 2,553 bilhões em 2010; R$ 2,746 bilhões em 2011 e R$ 2,946 bilhões em 2012. Qualquer emenda elevando essa projeção faria com que o projeto enfrentasse oposição da área econômica do governo.

O texto enviado ao Congresso pelo governo considera o Vale-Cultura como um instrumento de “universalização do acesso e fruição dos bens e serviços culturais”, que estimulará a “visitação a estabelecimentos e serviços culturais e artísticos e incentivará o acesso a eventos e espetáculos culturais e artísticos, fortalecendo a demanda agregada da economia da cultura”.

O projeto, lançado pelo presidente Lula em São Paulo, foi visto com simpatia pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e pelo Secretário de Estado da cultura de São Paulo, João Sayad, e também foi saudado como uma novidade bem vinda por representantes do meio cultural, como o músico Chico César e o diretor de teatro José Celso Martinez Correa.

No Senado, os deputados que participaram do processo de aprovação consideram que não vai ter grande problema a tramitação do Vale-Cultura. “A nossa ideia é que em 2010 as empresas já possam aderir ao sistema”, disse a deputada Manuela D”Ávila.
Como Funciona

CARTÃO MAGNÉTICO - O repasse dos R$ 50 não poderá ser feito em dinheiro e sim, preferencialmente, por meio de cartão magnético. O Vale em papel só será permitido se inviável o uso do cartão. As empresas poderão descontar do trabalhador até 10% do Vale, mas ele terá a opção de não aceitar o benefício.

FUNCIONAMENTO - O programa funciona por meio de empresas operadoras, cadastradas junto ao MinC, que serão autorizadas a produzir e comercializar o Vale. Elas também deverão habilitar as empresas recebedoras, que aceitarão o cartão magnético como forma de pagamento de serviço ou produto.

INCENTIVO - As empresas que aderirem ao sistema serão denominadas beneficiárias e poderão descontar, do imposto de renda devido, o valor gasto com a compra desses vales. A dedução é limitada a 1% do imposto, refere-se ao valor distribuído ao usuário e pode ser usada apenas pelas empresas de lucro real.

Cultura de consumo

Postado em por Cooperativa Cultural Brasileira

Por Alessandra Duarte, O Globo

Pesquisas mostram que família brasileira gasta R$ 65 por mês na área cultural e não acha justo pagar mais que R$ 20 por produtos

A família brasileira gasta cerca de R$ 65 do seu orçamento do mês com cultura. Dessa fatia, a maior parte vai para os livros ou para os shows de música.

Esse perfil dos hábitos de consumo de cultura no país é fruto de duas pesquisas que acabaram de ser divulgadas: “cultura em números - Anuário de Estatísticas Culturais 2009″, o primeiro anuário de estatísticas do setor, produzido pelo Ministério da Cultura (MinC); e “Consumo de cultura do brasileiro”, feita pela Fecomércio pelo segundo ano. O estudo do MinC mostra que, das despesas médias familiares por mês no país, R$ 64,53 são com cultura - ou 4,4% do orçamento. Para efeito de comparação, o gasto anual das famílias europeias com cultura há dez anos era de 2,7% na Lituânia a 5,8% na Dinamarca, segundo a Eurostat, órgão europeu de estatísticas. Já a Fecomércio revela que o item mais consumido é o Livro - 30% leram algum em 2008, contra 71% dos europeus em 2007. E que o preço que o brasileiro acha justo pagar por um produto cultural não passa de R$ 20.

Produzido em 2007 e 2008, o anuário traz dados gerais, como número de espaços culturais no país (o Sudeste concentra a maioria) e dados de cada arte. A pesquisa usou como principal fonte o suplemento de cultura da “Pesquisa de informações básicas municipais” (Munic, do IBGE) de 2006.

Gastos mensais com setor em sexto lugar

O anuário traz as despesas familiares mensais com cultura. Nesse consumo, não importa a faixa de renda, a área fica em sexto lugar, com 4,4%. Mas a pesquisa ressalta que, se for somado ao gasto com livros, filmes etc. o gasto com telefonia - considerada pelo IBGE como consumo indireto de cultura, por serviços como internet -, ela vai para o quarto lugar. O setor está abaixo de habitação, alimentação, transporte, assistência à saúde e vestuário, mas acima de educação.

A pesquisa também separa a despesa com cultura por segmentos, como escolaridade da pessoa de referência da família (o chamado “chefe da família”). Quando essa pessoa de referência tem menos de um ano de estudo, a despesa com cultura é, em média, de R$ 8,50; quando tem 11 anos de estudo ou mais, o valor chega a ser dez vezes maior, R$ 86,83. E, quando a pessoa de referência da família é branca, a despesa com cultura é de R$ 45,49; quando é parda ou negra, cai à metade, R$ 22,15 a R$ 22,67.

Se a publicação do MinC traz o total do consumo de cultura no Brasil, a pesquisa da Fecomércio abarca as características desse gasto. Realizada em 2008 em 70 cidades do país, incluindo nove regiões metropolitanas, o estudo indica que o livro foi o item mais consumido ano passado: 30% dos entrevistados leram algum naquele ano. Uma explicação para isso pode estar no anuário do MinC, que mostra que a biblioteca pública é o espaço cultural mais presente nas regiões - segundo o MinC, em 89,1% dos municípios (há museus em 21,9% das cidades; teatros, em 21,2% delas; e cinemas, em 8,7%).

- Taí a resposta! - disse Beatriz Radunsky, gerente do Espaço Sesc, cuja rede faz parte da Fecomércio, ao saber do dado do anuário do ministério. - As pessoas não precisam necessariamente pagar para ler um livro, podem pegar emprestado.

Falta hábito cultural a quase 60% do público

A razão mais citada pelos entrevistados para não terem consumido um produto cultural foi ”Não tenho o hábito”: em média, 57% não têm o costume de consumir livros, espetáculos de teatro ou dança, mostras, filmes ou shows. A diferença para a Europa é grande: segundo a Eurostat, na União Europeia, em 2007, pelo menos uma vez naquele ano, 71% leram um livro; 51% foram ao cinema; 41%, a um museu; 37%, a um show de música; e 32%, ao teatro.

É por falta de hábito que o casal Victor Grinbaum e Carol Herling não vai ao teatro.
Mas foi o ingresso um dos motivos pelos quais eles passaram a ir menos ao cinema.

- Já nos cobraram, num cinema no Leblon, R$ 25 por pessoa! Um ingresso de R$ 10 já está bom - disse Carol, de 29 anos.

Os dois gastam de R$ 40 a R$ 50 por mês com cultura, geralmente com livros, como os que olhavam na última quarta-feira na livraria na galeria do cinema Arteplex, em Botafogo.

- A gente compra muito em sebo, e também já peguei livro emprestado naquele serviço do metrô (Livros & Trilhos) - completa Grinbaum. - livro não era para custar mais que R$ 50. E tinha que haver versões de bolso para os mais caros.