Ecad será fiscalizado

Postado em 9 de novembro de 2012 por Cooperativa Cultural Brasileira


Um dos pontos mais polêmicos da gestão Ana de Hollanda a Lei do Direito Autoral merecerá tratamento diferente pela sua sucessora. Em sua primeira entrevista como ministra da Cultura, Marta Suplicy deixou clara sua posição divergente sobre o tema e defendeu a fiscalização do Ecad. “No momento em que eles são um monopólio, e eu não estou questionando isso, eles têm que aceitar uma fiscalização. Essa decisão eu já tomei”, disse Marta, que completa 50 dias no cargo e recebeu a reportagem do Estado em seu gabinete. 

Ana de Hollanda provocou protestos ao retirar do site do MinC a marca Creative Commons e aproximar-se das posições defendidas pelo Ecad. A atual ministra já havia dado indícios de que pretendia mudar de rota ao levar para a sua equipe Marcos Souza, formulador das políticas de direito autoral durante as gestões dos ex-ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira. Além de reincorporar Souza, Marta paulatinamente tem feito trocas em sua equipe. Já substituiu Vitor Ortiz como secretário executivo e também mudou o comando do Iphan. 

A Lei do Direito Autoral é apenas um dos projetos da pauta que a senadora licenciada herdou. Seu foco nestes primeiros dias como ministra, ela diz, foi justamente “destravar” essa pauta. O Vale Cultura, proposta do ex-presidente Lula que estava engavetada, voltou ontem à Câmara com o apoio de mais de 60 assinaturas. O projeto de revisão da Lei Rouanet, conhecido como ProCultura, também está prestes a entrar em votação no Congresso. “Devo encaminhá-lo na próxima semana”, garante a ministra. 

Sem experiência prévia na área cultural, Marta valoriza seu trânsito entre os parlamentares e sua habilidade política. Garante, porém, que não quer apenas levar adiante as propostas já existentes. “Quero deixar uma marca. E essa marca será a da inclusão social.”

Além dos editais para criadores e produtores negros, recentemente lançados, o Minc deverá contemplar outras minorias, como os gays e as mulheres. As Praças do PAC também serão transformadas em 360 CEUs das Artes. 

Na entrevista, a ministra da Cultura Marta Suplicy fala sobre as deficiências da Lei Rouanet, da necessidade de mais transparência na ação do Ecad e também sobre sua irredutível decisão de não disputar a eleição de 2014 para o governo de São Paulo.

A senhora herda uma ampla agenda, com projetos que já foram formulados, mas ainda carecem de aprovação e regulamentação. Como pretende destravar a agenda da Cultura? 

Marta Suplicy - São dois pontos. Um implica em destravar o que está no Congresso Nacional. Tive muitas reuniões procurando entender a fundo esses projetos e encontrar estratégias. Em relação à Lei Rouanet, tive uma reunião com o deputado Pedro Eugênio (PT-PE). Ele ficou um ano e meio ouvindo a classe artística e me ofereceu um panorama consolidado. Sua habilidade foi criar uma pontuação para atingir os 100% de isenção, e também foi habilidoso com os itens criados. Pedi para deixar dois itens abertos para o ministério usar nos próximos anos. Conversamos sobre várias áreas em que o MinC não poderia deixar de ter autonomia e também de outras áreas nas quais vão ou não despertar um certo estresse, mas que são áreas que não podemos abdicar. Ele fez um enorme esforço para conseguir um consenso. Sou uma ministra que tem como praxe negociar, conversar até chegar ao consenso. Também conseguimos uma avaliação da Receita Federal que considero ideal. Até o fim da semana que vem o projeto vai a votação.

O que mais lhe agradou?

Marta Suplicy - Gostei de ele ter tocado na questão regional. Para se ter uma ideia, da Região Norte foram aprovadas 71 análises de projetos, enquanto na Sudeste foram 5.374. Também na distribuição regional a diferença é grande: a captação na Norte foi 0,66% dos projetos, enquanto na Sudeste, 79,93%. Então, se isso não estivesse no projeto, eu teria sugerido para constar. Tenho percebido nas áreas que me são mais caras, as de inclusão - seja de caráter regional, seja envolvendo negros, gays, mulheres. Nesse ministério, é uma marca que gostaria de deixar: a inclusão social.

O que a senhora pensa da Lei Rouanet que viabilizou a produção cultural mas não foi capaz de criar um mercado cultural suficientemente forte?

Marta Suplicy - Nem teria condição, pois seria necessária uma política de Estado para a criação desse mercado. E ainda não engatinhamos nessa condição. Para isso, é necessário orçamento. Por isso, os ministros da Cultura acabam ficando felizes com a Rouanet e até trabalhando para mais incremento: trazem mais recursos. Enquanto os governos não melhorarem o orçamento para que a Cultura atue com pernas próprias, essas leis sempre terão importância gigantesca no orçamento. Não acho ideal, prefiro um orçamento mais robusto.

O projeto das praças do PAC foi transformado em CEUs. 

Marta Suplicy - Mudamos o conceito, que se afunila. A licitação já estava em andamento, então interferência foi no que eu pude fazer. Tinha muita salinha e era algo que intuitivamente me pareceu que não ia funcionar. Em conversa com os diferentes segmentos, vimos que são necessários grandes espaços, para que haja sinergia entre quem faz teatro, quem está compondo música, quem está pintando. Queremos essa conjugação de ideias. Outro desafio é formar os profissionais para trabalhar nesses 360 centros, que estarão nos centros de violência, assim como os CEUs. 

A senhora fala dessa fome de cultura. Como fazer para destravar o Vale Cultura?

Marta Suplicy - O Vale vai ajudar as pessoas a terem acesso. Estou pensando também em um mecanismo que permita às pessoas cumularem também. Para poder ter acesso a determinadas coisas, uma ópera, uma peça de montagem mais cara. Será a Bolsa Família da alma. O projeto estava engavetado, porque do jeito que estava teria que ser vetado, o que seria um constrangimento para a presidente. A ideia, portanto, é agregar todos os deputados à emenda e transformá-los em coautores. Aí, cada deputado pode chegar ao seu Estado e dizer: ‘O Vale Cultura fui eu que fiz’. E ele não vai estar errado. Sem a assinatura dele não teríamos força para fazer isso. Deve ser colocado em votação até o fim do ano. 

Existe essa fragilidade patente do mercado de Cultura no Brasil. A injeção de recursos pode ajudar a desenvolver o mercado? 

Marta Suplicy - Certamente, mas não podemos depender a vida inteira de incentivos fiscais. O ideal seria ter um orçamento maior e subsídios de política de Estado. Mas isso não é o que eu encontrei e tenho que lidar com o que tenho e fazer o melhor possível. Gosto de destravar os projetos, de fazer as coisas caminharem. Mas o que eu gostaria de deixar como marca é a inclusão social. Minha proposta é destravar os projetos.

A Lei do Direito Autoral foi um dos pontos de maior polêmica na gestão Ana de Hollanda, que endureceu as posições sobre o tema propostas durante a gestão Gil/Juca, consideradas excessivamente liberais. Ao trazer de volta para o ministério Marcos Souza, formulador das políticas para o setor durante o período Gil/Juca, a senhora sinaliza uma proximidade maior com essa visão? 

Marta Suplicy - Eu virei a página. Mas tenho que ter um arquivo do que aconteceu e o Marcos Souza participou de 82 audiências sobre o assunto. Eu não queria gastar um ano fazendo tudo de novo. Ele veio com a condição de que eu perguntaria a opinião dele quando eu quisesse. Conversei com grupos antagônicos, ouvi todos e tomei posições em relação ao Ecad. O Ecad tem que existir, tem que ser um órgão independente.

Mas é necessário que seja fiscalizado, não? 

Marta Suplicy - É muito forte o lado que reclama da falta de transparência. É verdade que eles têm muita dificuldade de fazer a arrecadação em todos os lugares desse Brasil gigantesco. Entendi essas limitações, sei que eles fazem um esforço no sentido da arrecadação, mas esse esforço também tem que ser feito no sentido da transparência. Ainda estou estudando, mas deve haver fiscalização. Em todos os países do mundo essa fiscalização existe. No momento em que eles são um monopólio, e eu não estou questionando isso, eles têm que aceitar uma fiscalização. Essa decisão eu já tomei. Os focos principais desses meus 50 primeiros dias de gestão são ProCultura, Vale Cultura e Lei de Direitos Autorais. 

E quanto à internet, a questão dos downloads? 

Marta Suplicy - Uma decisão eu já tomei nessa área: ‘notes sticky down’. É uma maneira correta, mas que tem dezenas de problemas específicos sobre os quais eu preciso me debruçar. A intenção é passar a questão o mais rápido possível para o Congresso. Tenho que respeitar as decisões que eles tomam, ouvir a opinião deles. 

A senhora crê que a grande falha da sua antecessora foi essa inabilidade política?
 
Marta Suplicy - Não compete a mim falar dela. Não tenho nada a comentar sobre isso. A presidente mudou de ministra. 

Seu nome é sempre lembrado para o governo paulista. 

Marta Suplicy - Eu não sou candidata. 

Hoje não é candidata? 

Marta Suplicy - Não é isso. Eu não sou candidata. Estou no projeto Dilma. Não percorrerei o Estado, não farei nenhuma ação de candidata. Fui bem clara, não?

A Cinemateca Brasileira acenou com o desejo de se transformar em uma Organização Social. Esse foi tema muito debatido nas últimas eleições em São Paulo. O que pensa sobre as OS?
 
Marta Suplicy - Acho que dinheiro público não pode ser gerido por sociedade civil. Dinheiro público é público e precisa de política de Estado.

Fonte: Estadão

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