Por Giorgio Rocha
Creusa Borges, cooperada da CCB, construiu uma sólida carreira no teatro brasileiro e também no exterior. No começo do ano a companhia dirigida por Creusa, o Grupo Dragão 7, percorreu diversas cidades de Portugal com a elogiada montagem do espetáculo "Inês de Castro, até o fim do mundo..." Na entrevista concedida para o blog da CCB, Creusa Borges fala sobre o V Circuito de Teatro Português, que ocorreu entre os dias 16 a 24 de julho, intercâmbio cultural, cooperativismo e momentos marcantes da sua carreira.
Entrevista:
CCB: Creusa, até o dia 24 de julho ocorre o V Circuito de Teatro Português, um projeto criado por você em 1997 para a promoção do intercâmbio cultural entre Brasil e Portugal. Gostaria que você falasse sobre as apresentações e sobre os workshops de interpretação que ocorreram.
Creusa Borges: Bem, foram quase duas semanas de atividades, além das apresentações em São Paulo, fizemos 11 cidades do interior e ABC Paulista: São Caetano do Sul, Mauá, Santo André, Americana, Paraibuna, Andradina, Guararapes, Botucatu, São Carlos e Limeira e Mogi Mirim.
Realizamos 5 workshops em São Paulo, 1 em São Carlos. Com os diretores: José Leitão da Cia de Teatro Art'Imagem, Rui Madeira da Cia de Teatro de Braga, José Mena Abrantes da Cia Elinga Teatro de Angola, Luisa Pinto da Cia Constantino Nery de Matosinhos e Antonio Barros da Escola da Noite de Coimbra. Cada workshop teve em média 20 pessoas, na sua maioria estudantes de teatro que se interessaram pela oportunidade.
Os debates aconteceram após os espetáculos, com o público. Hoje, dia 24 de julho, será o último dia ainda com espetáculo acontecendo em Mogi Mirim, e vamos assistir ao trabalho do Grupo Folias, e depois realizar um debate.
CCB: Após 13 anos promovendo o intercâmbio cultural , é possível dizer que a integração cultural entre países de língua portuguesa alcançou um patamar satisfatório?
Creusa Borges: Nos debates que fizemos esses dias, o que se constatou e que ainda falta muito, já se falou muito sobre apoios, facilidades nessa área mas nada se faz de concreto, o que se tem são iniciativas isoladas aqui e ali...mesmo assim se faz mais hoje do que há 10 anos.
CCB: O que deve ser feito para enriquecer a integração cultural?
Creusa Borges: O próprio encontro entre países lusófonos é pensado nessa direção, o que falta são as condições para isso, até um selo cultural já foi "citado" para facilitar a entrada de cenários das peças que entram no Brasil para esse tipo de intercâmbio, o que facilitaria e muito os transportes de carga das cias, que hoje você tem que fazer junto a Receita Federal, uma guia de importação temporária, que encarece muito tudo, são cobradas taxas de importação, sendo que a mercadoria não tem valor e um cenário...enfim, não há um entendimento desses trâmites, realmente o teatro não se enquadra nessa legislação , isso é só um ponto...
CCB: Você acredita que as ações para promover o intercâmbio cultural estão concentradas nas mãos das autoridades dos países e a contribuição dos artistas nesse processo deve ser maior?
Creusa Borges: A nossa contribuição é sempre maior, talvez porque o nosso interesse seja maior, mas mesmo cobrando, sugerindo, conversando com as instituições de nossos países, em encontros como o que fizemos em Coimbra, dezembro de 2009, onde a cooperativa esteve representada pela Marília (presidente da CCB), e lá estava o Ministério da Cultura do Brasil, representado pelo Zulu Araújo - presidente da Fundação Palmares, tudo fica ali esquecido durante o jantar, logo após os debates... Quando voltamos ao nosso país e procuramos as mesmas autoridades para apoiarem o projeto de intercâmbio, recebemos uma carta, explicando que leis do Brasil não permitem, nenhum tipo de ajuda a esse projeto , etc...etc...
CCB: A Cooperativa Cultural Brasileira realiza ações para o fomento a cultura, não só no Brasil, mas também em Portugal e Angola. E assim contribui para a integração cultural. Como a cooperativa pode se inserir e contribuir ainda mais para o fomento ao teatro e a promoção do intercâmbio cultural?
Creusa Borges: A Cooperativa, como instituição e sua representatividade, pode sim abrir canais de comunicação com as instituições brasileiras e de outros países de língua portuguesa ou não, temos projetos e interesses em outros países, de outras línguas, também, com a União Europeia que investe em projetos no Brasil, e que poderíamos encaminhar projetos para conseguir mais apoios, principalmente de financiamentos porque as deslocações desses artistas são caríssimas, hospedagem, alimentação, mesmo que seja uma troca e, eles não recebam caches, precisamos de mais investimentos e facilidades de locomoção, entrada e saída dos países.
CCB: Com a realização do V Circuito de Teatro Português as relações culturais entre as nações envolvidas se fortalecem. Como os atores e grupos de teatro são beneficiados com o intercâmbio cultural?
Creusa Borges: Os artistas se beneficiam com o contato direto com outros artistas conhecendo a realidade de cada um em seu país de origem, desses encontros surgem oportunidade de trabalho como aconteceu nessa edição, como resultado da oficina da Luisa Pinto diretora do teatro Constantino Nery, de Matosinhos, Portugal, a atriz Lilian Lima, de São Paulo, foi convidada para integrar o elenco da peça Amor Solúvel, que fez parte dessa edição e recebeu um convite para fazer uma temporada em Portugal também, então, além desse conhecimento e esclarecimento de nossas diferenças e igualdades culturais, abrimos mercado de trabalho para os artistas, que se interessam.
Já enviamos para estagiar em Portugal com a Cia de teatro de Braga, 3 atores de Salvador e Camaçari da Bahia, em 2009, e estão até hoje, passaram do estágio, para contratados da Cia...
Eu mesma levo uma média 3 ou 4 cias por ano para representar o Brasil nos festivais de teatro em Portugal, também, em Espanha...Enfim as oportunidades são muitas. É preciso fomentar esses encontros para que consigamos enriquecer e aproveitar melhor as oportunidades dentro do projeto de intercâmbio.
CCB: Na edição de 2010 do Circuito participam companhias de teatro de Portugal, Brasil e também de Angola. Quais são as diferenças do teatro praticado entre esses países?
Creusa Borges: Entre Brasil e Portugal, sinto cada vez menos essa diferença, quanto aos outros países como Angola que participa pela primeira vez, ainda estamos nos conhecendo, tomando contato com a realidade de um país da África que fala a língua portuguesa, mas todos sabemos que a língua tem alma própria, em cada país o sentido muda, como muda a cultura local e isso esta estampado no tipo de teatro que se faz, nos temas abordados, na importância do texto que aquele grupo escolhe talvez ligado a outras realidades das quais nós, já estejamos um pouco mais distante. Como o espetáculo Adriana Mater do grupo Elinga Teatro, que fala do tempo não muito distante em que houve guerra em Angola..
Sinto que estamos começando a conhecer alguma coisa da África, assim como estamos começando a olhar para a América Latina.
CCB: A Companhia teatral Dragão 7, dirigida por você, realizou no início do ano uma série de apresentações do espetáculo "Inês de Castro, até o fim do mundo..." em diversas cidades de Portugal. A peça conta a história de amor vivida por Inês de Castro e D. Pedro I, com um enfoque diferenciado, de uma forma inovadora. Como foi a receptividade do público português para essa nova proposta?
Creusa Borges: Foi fantástica, muito melhor do que esperávamos, digo nós do grupo, todos os envolvidos, havia uma expectativa quanto a essa receptividade, até um certo receio mas depois da primeira apresentação...ficamos bem mais a vontade para representar uma história tão deles, mas que é contada em várias línguas, depois de Romeu e Julieta essa historia de amor, verídica, é a mais contada.
Com essa viagem a Portugal onde participamos do Festival Internacional de teatro do Porto, O Fazer a Festa e do 4º Ciclo de teatro brasileiro na cidade de Arcos de Valdevez, e mais 6 cidades, o grupo Dragão7, se fortalece por ter tido a oportunidade de realizar uma pesquisa de campo sobre essa história do séc. XIV. Estivemos em cidades importantes onde se passou a história e lá podemos ver e constatar tudo que pesquisamos a distância, o que fortaleceu e muito nosso trabalho artístico.
CCB: Você construiu uma carreira sólida no teatro, com diversas passagens marcantes. Existe algum momento que te marcou mais? Por fim, gostaria que você deixasse uma mensagem para os nossos cooperados.
Creusa Borges: Para o grupo os momentos foram muitos, mas para mim... O momento que me marcou mais nesses 21 anos de Dragao7 e que foi divisor da minha existência como artista e integrante desse grupo, foi em 2002 quando em viagem a Cabo Verde, num acidente de carro perdemos o nosso ator Andre Chiaramelli, e que ali tive que tomar uma decisão: parava, abandonava o grupo naquele momento o que marcaria o grupo para sempre, encerrando nossas atividades, ou se era de verdade o que queríamos para o Dragao7, não teria sido em vão nossos esforços para realizar aquela viagem, já com o desejo que acontecesse tudo que tem acontecido dentro desse projeto de intercâmbio.
A partir daí esse projeto se fortalece e eu também, procuro fazer valer a pena todas as oportunidades que aparecem para se concretizar um projeto, fazer valer todas as oportunidades que temos de estar em cena fazendo uso da palavra, levando espetáculos a todos os lugares, principalmente onde as pessoas não tem acesso, e que segundo meu amigo Andre Chiaramelli: agora nos vamos para Plutão, Marte e Jupter..