"Estado deve dinamizar, e não inventar a cultura"

Postado em 28 de novembro de 2012 por Cooperativa Cultural Brasileira


A pedido do prefeito reeleito do Rio, Eduardo Paes, Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa será o novo nome da pasta que Sérgio Sá Leitão ocupará a partir de dezembro. O órgão receberá R$ 57 milhões adicionais para o inédito fomento público ao setor criativo carioca.
Prestes a completar quatro anos na presidência da RioFilme, ele permanece no órgão para promover a hoje inexistente integração com a secretaria. Também estão nos planos a criação do fomento reembolsável para iniciativas com vocação comercial e o estreitamento dos laços com os governos estadual e federal, promessa de campanha do prefeito, ainda mais essencial com a chegada da Copa do Mundo e da Olimpíada.
Sem vínculos partidários, no entanto, Leitão não teme divergir com a agenda do Ministério da Cultura (MinC) em assuntos como Procultura, a proposta de reformulação da Lei Rouanet. "Essa noção de descentralização que se disseminou é discriminatória com os polos culturais", diz. "Um absurdo." Leia a seguir os trechos principais de entrevista concedida ao Valor.
Valor: Qual é o principal desafio do projeto de integração da RioFilme com a secretaria municipal?
Sérgio Sá Leitão: O prefeito enfatizou que precisamos nos transformar em uma Secretaria de Cultura e de Economia Criativa, que passará a ser o nome da pasta, para incorporar a dimensão econômica. Vou acumular as duas funções para promover a integração entre os órgãos, historicamente distanciados. Depois de seis meses vou reavaliar. Mas nunca pleiteei o cargo. O convite se deve ao desempenho da RioFilme, à cultura do planejamento e do foco em resultados. É um projeto de quatro anos, que é o tempo mínimo necessário para desenvolver um trabalho sério.
Valor: O orçamento não deverá ficar apertado ao abarcar uma nova função?
Sá Leitão: Na proposta em discussão na Câmara, teremos, em 2013, R$ 228,6 milhões para a secretaria, incluindo aí R$ 39,2 milhões da RioFilme e R$ 16,5 milhões da Fundação Planetário. É um orçamento adequado para o seu atual papel. Mas o prefeito autorizou incorporar R$ 57,3 milhões para a economia criativa, previstos no planejamento da prefeitura.
Valor: Como sair da teoria para o campo prático no fomento ao setor criativo?
Sá Leitão: Esse é o desafio. O potencial econômico não realizado, incorporando áreas como design, moda e arquitetura, é um novo front para o país. E a capacitação é chave. Desenvolvemos na RioFilme um projeto com o Senai que criou 355 vagas em áreas com lacuna de profissionais. Vamos identificar as carências da cultura e criar, no primeiro ano, 5.000 vagas.
Valor: Como ficam as áreas tradicionais e os editais da gestão anterior para dança, artes cênicas, artes visuais e música?
Sá Leitão: Trata-se de uma gestão de continuidade. Houve muitos avanços, e preservaremos o que foi feito. Todos os recursos serão investidos por edital. E passaremos a trabalhar com a ideia de investimento reembolsável, que praticamos na RioFilme, para iniciativas com potencial de receita, e não reembolsável, quando a vocação é cultural. Sendo uma empresa, a RioFilme passará a cuidar de todos os investimentos reembolsáveis, inclusive em outros setores da cultura. E a secretaria continuará responsável pelo fomento cultural, mas incluirá o audiovisual.
Valor: O Programa de Fomento ao Audiovisual Carioca (FAC) será lançado neste ano, como prometido pelo prefeito?
Sá Leitão: Sim, com o mesmo valor anterior, de R$ 15 milhões, assim que a Câmara aprovar o orçamento de 2013.
Valor: Permanece a política de expansão e de gestão dos equipamentos culturais?
Sá Leitão: O problema central da nossa rede é que é má distribuída. A expansão das arenas e dos cinemas populares continua, principalmente em direção às Zonas Norte e Oeste. Vamos diversificar o modelo de gestão, trabalhando o máximo possível com a iniciativa privada, permitindo concessões e permissão de uso para empresas, grupos culturais ou organizações sociais. Contrataremos uma consultoria para fazer grande levantamento que indique a vocação de cada equipamento e o investimento necessário para recuperá-lo, já que muitos não estão em boas condições. Espero em 2014 iniciar as mudanças. Buscaremos mais eficiência e o melhor uso possível do dinheiro público. Em muitas situações, parece-me que não estamos obtendo hoje o melhor resultado possível.
Valor: O projeto que institui o Procultura, em substituição à Lei Rouanet, tem como um de seus critérios a descentralização. O senhor concorda que a concentração no eixo Rio-São Paulo é nociva ao país?
Sá Leitão: Essa noção de descentralização que se disseminou é discriminatória com quem realiza e com os polos culturais. Por que prejudicar quem está fazendo? É um absurdo. Em todos os países é natural que existam cidades onde a produção cultural tem peso maior. Corre-se o risco de prejudicar a produção nesses polos sem necessariamente criar substitutos. Há avanços no Procultura, mas, em geral, é um retrocesso. O papel do Estado é dinamizar e não determinar, centralizar, ordenar. Cultura é uma força viva da sociedade, não é algo que o Estado inventa.
Valor: O que quer dizer com isso?
Sá Leitão: Historicamente, o MinC comporta-se como uma secretaria que pensa somente na Cultura que depende do Estado e não no conjunto do setor. Trata-se de uma visão paroquial. O Ministério da Educação, por exemplo, preocupa-se claramente com todo o setor, seja a esfera pública ou a privada. Precisamos acabar no Brasil com a ideia de que existe, de um lado, a produção cultural que deriva do Estado e, do outro, o resto. Cultura é uma atividade de caráter privado, da sociedade civil. A vida noturna, por exemplo, gera grande impacto econômico e tradicionalmente está fora do escopo do poder público. Eu discordo.
Valor: Qual é a sua opinião sobre a intenção anunciada pela ministra da Cultura, Marta Suplicy, de fomentar iniciativas de produtores culturais negros?
Sá Leitão: Tenho grande respeito e admiração pela ministra. A sua presença tem o grande mérito de dar um capital político que o ministério talvez nunca tenha tido. A ministra está tomando pé da situação, não é uma especialista em gestão cultural e está fazendo a sua curva de aprendizagem. Precisamos ver que medidas são essas, mas, em princípio, não acho que seja o melhor caminho.
Valor: Como fazer que uma promessa da campanha eleitoral, a integração entre os governos federal e estadual e a prefeitura, ocorra de fato na cultura?
Sá Leitão: Até a posse estou debruçado em números e planejamento. Ao assumir vou procurar a Adriana Rattes [secretária estadual de Cultura] e a ministra para ver de que forma vamos trabalhar juntos. O Rio é o principal palco cultural do Brasil. Obviamente que o governo federal tem interesse grande nisso.
Valor: Como evitar, com a chegada da Olimpíada e da Copa do Mundo, que os investimentos migrem para o esporte?
Sá Leitão: A realização desses eventos abre um vasto leque de oportunidades para o país e também para a cultura, sobretudo numa cidade como o Rio. Acabamos de assistir ao exemplo brilhante de como o Reino Unido aproveitou para promover seus ativos culturais nas cerimônias de abertura e de encerramento da Olimpíada. O último álbum do Coldplay aumentou suas vendas em 1000% após o evento. No caso do audiovisual, haverá uma demanda gigantesca por equipamentos, profissionais e estúdios. Temos de nos preparar para fazer que essa demanda se transforme em ganho estrutural.
Fonte: João Bernardo Caldeira | Para o Valor, do Rio


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