Juliano Mer-Khamis: a arte na guerra contra a opressão e a intolerância

Postado em 20 de abril de 2011 por Cooperativa Cultural Brasileira

Fundador de um teatro para jovens atores na Cisjordânia, ele levou sete tiros de grupo de homens mascarados

Os sete tiros que mataram o ator e diretor Juliano Mer-Khamis, 52, no último dia 4, interromperam a trajetória de um personagem único do conflito palestino-israelense.

Para alguns, insubstituível.

Filho de mãe judia e pai palestino, ele criou o Teatro da Liberdade, um espaço para jovens no campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia ocupada por Israel. Sua morte foi obra de mascarados não identificados, supostamente insatisfeitos com suas críticas duras e frequentes às lideranças dos dois lados. O crime comoveu a opinião pública regional.

Em novembro de 2010, Juliano concedeu longa entrevista à Folha, que estava inédita. Disparou críticas ferozes à ocupação israelense e praticamente previu seu próprio fim.

"Muita gente aqui quer se ver livre de mim."

Folha - Dizem que Jenin trocou as armas pela resistência cultural, a começar pelo seu teatro. A cultura pode vencer a ocupação?

Juliano Mer-Khamis - Isso é uma tremenda bobagem. O teatro talvez possa salvar algumas crianças do desvio e apresentar uma imagem de que somos um povo cultural. Mas no fim das contas não significa nada. Quem lhe disser que a cultura muda alguma coisa está falando bobagem. Que resistência? Não há mais espírito de resistência entre os palestinos e o pouco que resta está sendo corrompido pelos israelenses com dinheiro.

Israel é o único culpado?

Você vê o que está acontecendo em volta. Conseguiram transformar o movimento de resistência numa burocracia corrupta, que engorda com os dólares americanos. Vim para Jenin para lutar contra a ocupação, mas me vi tendo que lutar contra a própria sociedade palestina, que está se tornando tão corrupta que não pode lidar com nenhum tipo de crítica.

Temos uma nova forma de ditadura policial, agora sob comando palestino.

A Autoridade Palestina tem defendido a estratégia de resistência pacífica contra a ocupação. Há chance de isso funcionar?

Não vai dar em nada. É só mais um daqueles gestos bons para os dois lados, mas vazios. Nunca ouvi um caso na história de uma ocupação ter terminado por generosidade do ocupante.

Nós [os palestinos] não temos a capacidade de vencer com armas. É estúpido tentar derrotar a máquina de guerra israelense com um [fuzil] Kalashnikov. Veja aonde chegamos usando armas. O maior desejo dos israelenses é que os palestinos usem armas, para poder justificar suas ações.

Sua identidade dupla lhe ajuda a entender melhor os dois lados?

Minha mãe era judia, meu pai palestino cristão. Pela tradição judaica, sou judeu. Pela tradição cristã, sou cristão. Na prática é o contrário: para os palestinos, sou judeu. Para os israelenses, sou árabe. Ao mesmo tempo não me sinto parte de nenhum dos lados, e acho isso maravilhoso. Quem quer pertencer a essas duas nações? Prefiro ser o outro.

Não estou em Jenin porque morro de amores pelos palestinos. Estou aqui para lutar contra a injustiça. Não sou bem-vindo em Jenin. As pessoas não gostam muito de mim aqui. Primeiro, porque me veem como um judeu. Mas o que mais incomoda é que eu critico a vida que eles levam.

O seu teatro não é uma forma de resistência contra a ocupação israelense?

O teatro não pode resistir a Israel. Isso é uma romantização. O teatro não tem como resistir a um Exército. O que o teatro pode fazer é resistir à opressão, à discriminação, ao racismo, à opressão sexual. Eu vim a Jenin para lutar contra a ocupação, mas logo percebi que isso é besteira. O teatro luta por valores humanos. A ironia amarga é que meu trabalho serve para libertar mulheres que são oprimidas por homens oprimidos por Israel. É por isso que muita gente aqui gostaria de se ver livre de mim.

Por quê?

A Palestina hoje não é um lugar nada amigável. É religioso, conservador, arruinado, corrupto, chauvinista e extremamente racista. Há 15 anos eu achava que havia um espírito de resistência entre os palestinos, um senso de liberdade, de justiça. Hoje isso acabou. Cada um só cuida dos seus interesses.

Fonte: MARCELO NINIO - Folha de São Paulo

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